TALHAS DO OUTEIRO DA GLORIA
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Altares em restauraçãoNecessitando de obras de conservação e restauro, a igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro vem recebendo investimentos para a restauração de seu precioso acervo setecentista. Em 2006, a Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Glória deu início a um vasto programa de intervenção na arquitetura do edifício, visando às comemorações dos 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil, por ter sido a igreja um monumento simbólico deste período.  No âmbito dessas celebrações, a Prefeitura através da SEDREPAHC, atual Subsecretaria de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design (SUBPC) da Secretaria Municipal de Cultura, firmou um convênio com a Associação Espírito Santo Cultura, para a execução de obras de restauração das talhas do Outeiro da Glória e para o desenvolvimento de ações educativas voltadas para o patrimônio cultural.  Este monumento histórico encontra-se sobre a tutela municipal, inserindo-se na Área de Proteção do Ambiente Cultural do Bairro do Catete e Glória, instituído através do Decreto Municipal Nº 25693 de 23 de agosto de 2005 e é ainda tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, desde 1938.

O objetivo do Convênio foi a cooperação técnica e científica internacional entre as instituições, visando a preservação do acervo histórico e artístico representado pela talha em madeira da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Os recursos investidos pela Prefeitura foram de R$ 450.000,00 e a contrapartida oferecida pela Associação foi R$ 245.000,00. As metas alcançadas foram:

•  A troca de conhecimentos técnicos e científicos entre os especialistas da AESC e os técnicos do quadro permanente da SEDREPAHC, através da execução de ações de conservação e restauro na talha artística e de seus suportes em madeira da igreja do outeiro;

Detalhe da talha esculpida em madeira
Entalhamento

•  A preservação e conservação deste patrimônio cultural carioca e nacional, conforme determina o Decreto Nº 25693 da APAC Catete e Glória e o tombamento federal;

•  O desenvolvimento de ações educativas com professores e alunos da rede pública municipal, e técnicos da SEDREPAHC, com a abertura dos canteiros de restauração para visitação, visando respectivamente a conscientização sobre a importância da preservação do patrimônio cultural carioca e a transmissão de conhecimentos sobre as técnicas em utilização no canteiro de restauração;

Recomposição da talha•  A elaboração de relatórios sobre a produção técnica e científica e artigos sobre a conservação e restauro da talha de madeira, para publicação no site da Prefeitura e na revista da SEDREPAHC e outros veículos de comunicação escrita, falada e televisionada, com o intuito de transmitir o conhecimento adquirido por ambas as partes envolvidas no convênio, para técnicos em conservação e restauração, de todo o território nacional e e de Portugal, visando aprimoramento profissional; e para a comunidade nacional e internacional, visando a promoção e divulgação do patrimônio cultural carioca .

 

 

Restauradores vindos de Portugal trabalharam, de agosto até dezembro de 2007, junto com técnicos brasileiros, na restauração desta importante obra de arte, elaborada na fase de transição do estilo rococó para o neoclássico, posterior à construção da Igreja. A Restauração envolveu as seguintes etapas de trabalho:

Verificação do diagnóstico do estado de conservação preliminar:

  • Documentação e acerto do diagnóstico
  • Montagem de andaimes;
  • Instalação de canteiro de obra;
  • Levantamento fotográfico geral e de pormenor de todas as obras (antes, durante e na fase final da intervenção);
  • Confirmação técnica do exame de diagnóstico das madeiras e superfícies;
  • Verificação / identificação macroscópica das madeiras.

Limpeza e desinfestação

  • Limpeza da sujidade superficial por via mecânica através de aspiração suave e controlada, utilização de pincéis macios;
  • Remoção de restos dos preenchimentos em gesso de intervenções anteriores e remoção de sujidades aderentes;
  • Limpeza das superfícies douradas das peças de decoração do altar-mor e altares laterais;
  • Desinfestação curativa e preventiva por impregnação. Combate a xilófagos inativos.

Desmontagem parcial do altar-mor, do altar de São Gonçalo e de Santo Amaro e das sanefas

  • Remoção de cravos, pregos e parafusos oxidados e sua substituição por cavilhas de madeira ou parafusos de aço inox.

Consolidação

  • Impregnação por meio de injeção com seringa e aplicação a pincel de produto consolidante.

Fixação de elementos de suporte e reposicionamento de juntas abertas:

  • Acabamento dos entalhes, correção das superfícies “esfiapadas”, resultante da remoção do douramento;
  • Colagens efetuadas com acetato polivinílico;
  • Reforço das colagens por interposição de madeira;
  • Colmatação das fendas com madeira de baixa densidade e direção de corte idêntica a do elemento a tratar.

Preenchimento de lacunas

  • Preenchimento de cariz estrutural com madeira da mesma essência;
  • Colagens efetuadas com acetato polivinílico;
  • Preenchimento de cariz não estrutural – madeira de muito baixa densidade e / ou resida epoxida SV/HV – 427, consoante a situação e o nível de degradação verificado e a dimensão da lacuna.

Entalhe

  • Entalhe de preenchimentos efetuados nos elementos decorativos;
  • Entalhes de peças faltantes (nas sanefas e volutas)

Acabamento

  • Acabamento das madeiras e entalhes com produtos especiais.

Finalização

  • Desmontagem dos andaimes, do canteiro de obra e do laboratório;
  • Registro fotográfico após as obras de restauração;
Elaboração de relatório final sobre os trabalhos executados.

IGREJA DA GLÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA DA CIDADE DO RIO JANEIRO

História

Fachada

A igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro está ligada à trajetória histórica da cidade do Rio de Janeiro. O local onde foi erguida é um dos mais importantes para a história carioca, pois neste solo se deram as lutas entre portugueses e franceses em uma das quais foi mortalmente ferido  Estácio de Sá, fundador da cidade. O outeiro teve a esse tempo o nome de “Leripe” e apresentava uma densa vegetação. Ao fim do século XVII, apareceu no Rio de Janeiro um eremita chamado por Antônio Caminha, natural do Aveiro,  Portugal. Caminha era também escultor. Ele ergueu ali uma pequena capela para abrigar a imagem de Nossa Senhora da Glória, por ele esculpida. Foi quando o outeiro tomou definitivamente o nome da Glória. Em torno de Caminha formou-se um  círculo de devotos. Diz a lenda que ele ofereceu uma réplica da santa ao rei de Portugal, D. João V. Entretanto, o navio naufragou , mas a imagem, levada pelas ondas, apareceu em uma praia da cidade de Lagos, no Algarve, em Portugal, donde foi recolhida ao convento dos frades capuchos, em que  se encontra até hoje.A saga de Caminha permaneceu na memória do povo do Rio de Janeiro e foi imortalizada pelo escritor José de Alencar na novela  “ O Ermitão da Glória”, escrita no século XIX.

As terras onde Caminha havia construído sua capela primitiva pertenciam a Cláudio Gurgel do Amaral. Também devoto de Nossa Senhora da Glória, Gurgel do Amaral fez doação de sua propriedade à Irmandade para que fosse edificada uma ermida permanente e digna do culto da virgem. Com o passar dos anos, as festas de Nossa Senhora da Glória, celebradas a 15 de agosto, tornaram-se das mais concorridas da cidade. Era uma festa a um tempo popular e aristocrática, pois era freqüentada pela  gente simples da cidade e também pelos vice reis e imperadores do Brasil.  Foi com a transferência da corte para o Rio de Janeiro que a família imperial passou a freqüentar a igreja. D. Maria da Glória, futura rainha de Portugal, foi conduzida para ser consagrada à virgem pelos braços do avô D. João VI. D. Pedro II e a imperatriz D. Teresa Cristina  foram inscritos na Irmandade e eram assíduos às festas da padroeira. Os ofícios religiosos, a partir do Primeiro Reinado, passaram a ostentar grande pompa, mas não excluía o povo. As festas da Glória rivalizavam com as da Penha, mais ligadas às tradições populares portuguesas.

Por sua posição privilegiada, sobre a baía de Guanabara, a igreja da Glória é uma marca da paisagem carioca. Assim revelam os documentos do século XVIII em diante, nos quais a igreja é frequentemente retratada. A “Glória do Outeiro”, como também é conhecida, tem pelo menos uma representação musical na obra do compositor Francisco Mignone, na peça orquestral “ Festa das igrejas”, de 1940.

Arte e Arquitetura

Interior da igreja durante a restauração

A igreja que hoje conhecemos teve início em 1714 e foi finalizada em 1739, quando a Irmandade foi consagrada canonicamente. Seu risco arquitetônico é atribuído ao tenente-coronel José Cardoso Ramalho, que combinou elementos arquitetônicos do passado luso às inovações do barroco italiano da primeira metade do século XVIII.  A planta, que apresenta dois octógonos alongados, é uma gema rara  da arquitetura religiosa brasileira.O sentido barroco do plano arquitetônico antecedeu às famosas igrejas do barroco  mineiro.A igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro é  única no Rio de Janeiro na utilização não aparente da pedra de cantaria na composição do espaço interno. A cantaria não serve apenas à fachada, mas à marcação das principais linhas, modenaturas, pilastras e arremates internos, conferindo uma certa leveza à rigidez volumétrica da arquitetura.As talhas dos altares, bem como das tribunas e do coro representam a fase de transição do estilo rococó para o neoclássico, posterior a construção da igreja.

Assim como a presença da cantaria no interior, os painéis de azulejos que recobrem  a nave, o altar, a sacristia e o coro alto  formam um elemento determinante na estrutura espacial da igreja. O conjunto de painéis figurativos em azul e branco trazem luz e leveza ao volume construído, gerando um fator de oposição ao sentido de verticalidade, trazendo o olhar ao campo imediato da visão humana. Empregados em poucas igrejas cariocas, os azulejos da igreja da Glória do Outeiro formam o conjunto mais importante existente no Rio de Janeiro e um dos mais destacados do Brasil. Atribuídos ao mestre azulejeiro Valentim de Almeida, expoente do período do barroco da “ grande produção joanina”, os azulejos  da nave representam , provavelmente, cenas bíblicas do Cântico dos Cânticos. Na sacristia, predominam cenas de caça. Ao lado do risco arquitetônico, os painéis azulejares, apresentando extraordinária harmonia compositiva, conferem `a igreja da Glória do Outeiro uma grande relevância no contexto do patrimônio histórico e artístico brasileiro.

(Texto de Maria Eduarda Marques)

 

Ação educativa - seminário
Ação Educativa -
O trabalho de educação junto à obra de restauração das talhas em madeira da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, consistiu na realização de um seminário para 100 profissionais, dentre professores da rede pública, técnicos da SEDREPAHC e de demais instituições públicas, no dia 27 de agosto de 2007, no Salão Paroquial anexo ao Outeiro da Glória, com palestras sobre a história do Outeiro, a obra de restauração da talha em madeira e ainda sobre o restauro arquitetônico. Nos meses seguintes à capacitação, monitores receberam visitantes, professores e seus alunos para visitas guiadas ao canteiro de restauração montado na igreja.

 

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