Cidade





Avenida Niemeyer, que liga o Leblon a São Conrado, completou 92 anos de inaugurada no dia 20 de outubro. Diariamente, 30 mil veículos passam pela via. A Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Geo-Rio), órgão da Secretaria Municipal de Obras, já investiu desde 1968 US$ 7 milhões em 30 contratos específicos de obras de contenção de encostas e drenagem. Obras não só decorrentes da ação de chuvas, mas também pela maneira como a Niemeyer foi aberta, para ser estrada de ferro, pelo projeto inicial, com explosões a dinamite, das suas rochas de idade geológica de um bilhão de anos, que deixaram lascas até hoje necessitando de constantes cuidados.

Inicialmente, a Niemeyer seria uma ferrovia de 193 km ligando o bairro de Botafogo ao Município de Angra dos Reis. Acabou sendo construída como rodovia, com uma maravilhosa vista para o mar. Sua pista dupla corta o Morro Dois Irmãos e está ladeada pela favela do Vidigal, por residências de luxo e hotéis. É também lugar de passeios, prática de caminhadas, pescarias, de contemplação do mar. A Niemeyer teve dois projetistas: do trecho do Hotel Leblon até o Colégio Anglo Brasileiro o autor foi o engenheiro Ricardo Feio e daí até na Praia da Gávea, o engenheiro Paulo de Frontin que, mais tarde, viria a ser Prefeito do Distrito Federal. Foi inaugurada em 20 de outubro de 1916, pelo prefeito Azevedo Sodré, em solenidade marcada pela fixação de placa de bronze embutida em granito, perto do Hotel Leblon. A placa, que está lá até hoje, é de homenagem do Automóvel Club do Brasil, ao seu empreendedor inicial, o comendador Conrado Jacob Niemeyer "que a concebeu e patrioticamente a custeou".

Considerada uma obra ousada para sua época - foi iniciada ainda no século 19 -, possui 4760 metros de extensão. Pouco depois de sua inauguração, o escritor Ferreira da Rosa dizia que "ela era larga, plana, bem calçada, bem iluminada, aberta na rocha a 35 metros sobre o nível do mar que espuma, festejando-a, sem atingi-la." Acrescentava o escritor que a passagem do Leblon para Gávea foi tentada "coleando a montanha" em 1891, pela Companhia Viação Férrea Sapucaí, que recebeu concessão do Governo Federal para abri-la. A empresa conseguiu rasgar os primeiros 800 metros, com permissão depois, inclusive, para seguir até Itaguaí, em direção a Angra dos Reis.


A construção foi paralisada por pressão da Companhia de Melhoramentos da Lagoa. O trecho aberto sofreu a ação do tempo. Os aterros feitos pela Viação Férrea Sapucaí foram levados para o mar, o mato tomou conta do leito que seria estrada. Em 1913 os trabalhos foram retomados, mas já com a idéia de ser aberta uma avenida litorânea. O diretor do Colégio Anglo Brasileiro, professor Charles Weeksteed Armstrong, procurando melhorar o acesso ao seu estabelecimento, aperfeiçoou a obra abandonada, dando-lhe mais 400 metros de extensão.



Depois dessa intervenção é que, em 1915, o comendador Conrado Jacob Niemeyer, proprietário no local, empreendeu o prolongamento da já então belíssima passagem e ofereceu-a como logradouro público para a Prefeitura. Em 1920 a Avenida foi alargada, com aumento do raio das curvas, e foi pavimentada pelo sistema de macademização, com macadame, e dada por concluída por ocasião da visita do Rei Alberto da Bélgica. Ali também foram realizadas corridas de automóveis, do Circuito da Gávea.



Leito de ferrovia em rochas antigas


A Avenida Niemeyer, de acordo com o geólogo Claudio Amaral, da Geo-Rio, corta a franja do Morro Dois Irmãos, cuja própria forma foi determinada por uma falha geológica. O local apresenta dois tipos de rochas: um que considera excelente, o gnaiss facoidal, que é a mesma rocha do Pão de Açúcar, e outro, um pouco menos nobre, que é a biotita gnaiss, ambas com um bilhão de anos. “O que chama mais atenção no Maciço Dois Irmãos são as fraturas na rocha. Elas tornam o Maciço vulnerável a acidentes naturais, como rolagens de pedras e deslizamentos de solos, estes últimos tão problemáticos quanto as rochas sobre as quais se desenvolveram. Junte-se a isso uma grande inclinação do maciço. A construção da Niemeyer foi uma obra complexa, ambiciosa, com corte da rocha e dinamitações - explica.

Amaral revela ainda que, tanto na montanha, como abaixo da Avenida ficaram vários pontos de instabilidade, após sua abertura. A ocupação desordenada e o tráfego pesado de veículos aumentaram essa instabilidade. Segundo o geólogo, o quadro de riscos de acidentes na Niemeyer só pode ser reduzido com execução permanente de obras de contenção de encostas. Na opinião do engenheiro Marryton Augusto Severo, da Geo-Rio, que tem experiência em construção de rodovias e ferrovias, o fato de a Niemeyer ter sido idealizada para ser via férrea explica as características de suavidade das suas rampas, uma vez que as condições de projetos ferroviários são mais rígidas no tocante a esse detalhe, do que nos projetos de estradas de rodagem. “Para os trens subirem eles necessitam de rampas suaves devido a problema de aderência entre as rodas motrizes e os trilhos, que faz com que se movam”, esclarece.

O Diretor de Obras e Conservação da Geo-Rio, engenheiro Márcio Machado, diz que, se abertura da Niemeyer fosse feita hoje, seriam usadas no corte de rocha técnicas de serrar e cavar menos danosas para a estrutura das rochas e ao meio-ambiente, do que as explosões com dinamites. Segundo ele, há hoje preocupação com áreas de montanha para garantir o máximo de segurança aos usuários de uma avenida aberta. Seriam feitas contenções de encostas e drenagens, coisas que nem eram imaginadas na época de abertura da Niemeyer, até porque não se pensava na sua ocupação.



Parentes do Comendador Niemeyer elogiam seu idealismo 


Membros da família Niemeyer recordam a história do Comendador Niemeyer e da abertura da Avenida que leva seu nome. Dona Guiomar Niemeyer, sua neta, filha de Álvaro Niemeyer, o engenheiro militar que a construiu, lembra que seu pai e sua mãe falavam muito dele, que era muito amigo do Dr. Paulo de Frontin. O comendador, inclusive, deixou um livro com anotações sobre suas atividades.

Já Anna Lúcia Villela de Niemeyer, advogada e técnica de turismo, sobrinha de dona Guiomar, é neta do empresário. Segundo ela, a Avenida Niemeyer pertence ao processo de expansão do bairro do Leblon, que até o século XIX era constituído de chácaras. Um dos mais belos cartões postais do Rio de Janeiro pode ser retratado em suas palavras: "A Avenida Niemeyer tem como principais atrativos a vista para o mar, as falésias, o arquipélago das Cagarras, o Pico Dois Irmãos, a constante presença de voadores de asa delta e parapente e as praias do Arpoador, Ipanema e Leblon de um lado e São Conrado de outro. Outro ponto pitoresco, ressalta, é o Chapéu dos Pescadores. Sobre o costão inferior da Avenida foi erguida uma plataforma para abrigar os pescadores das ondas fortes que ali batem."

- Em 1980, em sua primeira vinda ao Brasil, o Papa João Paulo II visitou a favela e aí se desenrolou um das mais comoventes cenas da história desse Papado: Emocionado com a simplicidade das habitações e a quantidade de crianças presentes em torno de si, Sua Santidade tirou seu anel de Papa e o doou para a comunidade - recorda Anna Niemeyer.

Anna lembra como fatos importantes para na Avenida Niemeyer o desenvolvimento pela Prefeitura do Programa Favela-Bairro no Vidigal, que foi premiado no exterior, e que estabeleceu toda a infra-estrutura de saneamento, construção de residências firmes e uniformes, escolas, centro de administração e coleta de lixo.

Já o arquiteto Arnaldo Niemeyer Wright, filho de dona Guiomar e bisneto do Comendador, e morador na própria Avenida Niemeyer, ressalta a capacidade de realizações do bisavô. "Ele era um visionário. O filho, Álvaro, engenheiro militar, é que era o construtor".

O Comendador era dono de muitas terras ao longo da Avenida, o que contribuiu para a preservação dos terrenos, segundo Arnaldo, enfatizando que, além da Avenida ter sido um presente dele para cidade do Rio de Janeiro, a manutenção do verde se deve à atuação da família.

Arnaldo Niemeyer Wright calcula que a Companhia Melhoramentos da Lagoa foi contra a construção de uma estrada de ferro da Lagoa a Angra dos Reis - projeto inicial do Comendador e que viria a ser abandonado para dar lugar a uma rodovia - porque, certamente, o traçado da estrada de ferro incluía a passagem pelas cercanias da Lagoa Rodrigo de Freitas, área de atuação daquela empresa.

 

Texto: Luiz Carlos de Souza - Ascom Geo-Rio
Fotos: Eliane Carvalho (SECS) e Geo-Rio

Imprimir

 
 
Copyright © Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro