VARGAS VIVO DE AGOSTO A “AGOSTO”
MARIA INÊS GURJÃO


1. COMEÇANDO PELO PRINCÍPIO (OU PELO FIM)
· Por que Getúlio Vargas não morreu?
Poucos personagens da História do Brasil são tão conhecidos como Getúlio Vargas. Se fizéssemos um teste com retratos de pessoas que se destacaram em nossa história, quantos seriam identificados pela maioria da população, mesmo por aqueles que têm alguma instrução? Do passado, talvez a imagem de Tiradentes e a de D. Pedro II tenham maior popularidade. Da história recente, quais presidentes da república o brasileiro médio reconheceria?
A imagem de Vargas está gravada na memória nacional de forma ímpar, sob duas formas distintas: sua foto oficial como presidente e o retrato de seu corpo morto no esquife. Mas, de tal forma a primeira se sobrepõe à segunda que muitos brasileiros pensam em Getúlio Vargas como se ele ainda estivesse vivo.
· Mito na Antropologia e na História
Entre as muitas definições de mito, destacamos duas: a do dicionário Aurélio que o identifica como uma “representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular, pela tradição”; e a do dicionário Houaiss, segundo a qual o mito é uma “representação de fatos e/ou personagens históricos, frequentemente deformados, amplificados através do imaginário coletivo e de longas tradições literárias orais ou escritas”.
Ambas, portanto, destacam o caráter simbólico do mito como ‘representação’. Ou seja, ele não é o real, mas sim uma elaboração do real – uma re-apresentação – que depende da significação atribuída pela memória social a determinado fato, personagem ou objeto.
Em sua origem etimológica, a palavra ‘mito’ vem do grego mûthos e significa ‘fábula, relato, discurso’. O mito não existe em si. O valor mítico é uma criação social, ou seja, é uma ‘fala’ cuja sobrevivência depende da eficiência das sociedades para conservar e difundir o que elegeu como mito.
A antropologia dedica-se ao estudo do mito como elemento indispensável à organização e à sobrevivência das sociedades como instituições particulares. Os mitos distinguem grupos e demarcam suas individualidades.
O mito é social e cultural, mas é também histórico na medida pois sofre a influência do tempo. Assim como cada grupo elege seus mitos, épocas diferentes também cultuam mitos próprios, podendo substitui-los por outros, como consequência do dinamismo da história das sociedades.
· O mito “Getúlio Vargas”
Entre os mitos brasileiros contemporâneos, Getúlio Vargas ocupa um lugar de destaque. Para o povo ele ainda é considerado ‘o pai dos pobres’ e os políticos usam seu nome e seu carisma em busca de votos.
Como mito, ele se torna ‘sagrado’, intocável. Suas qualidades são potencializadas e não se fala de seus defeitos. Na dimensão mítica, passado se torna presente – ontem e hoje se fundem. Passados 50 anos de sua morte, Getúlio Vargas não envelheceu, não morreu e, de certa forma, continua a interferir na vida política brasileira, na medida em que é atualizado no discurso de políticos dos mais diferentes partidos.
Como se explica a força mítica de Getúlio Vargas, personagem bastante controvertido quando analisamos sua atuação de forma objetiva e imparcial?


2. APRESENTANDO O CENÁRIO
· Panorama do Brasil e do mundo
A primeira metade do século 20 foi uma época de grande ebulição política, social, econômica e cultural. O mundo enfrentou duas guerras, assistiu à implantação do comunismo na URSS, à expansão dos fascismos, à consolidação do capitalismo, ao fortalecimento dos EUA e ao declínio da hegemonia europeia no mundo. Também presenciou as atrocidades cometidas na expansão imperialista, o genocídio dos judeus, a explosão das bombas atômicas, as torturas de prisioneiros políticos na URSS e na China comunista, a miséria do ‘terceiro mundo’ constituído na periferia do capitalismo, a turbulenta descolonização da Ásia e da África.
No Brasil, nas primeiras décadas do século, houve a consolidação da república dominada pelas oligarquias cafeicultoras. Atingido pela grave crise econômica de 1929/30, o regime entrou em crise, o que favoreceu a reação contra a república oligárquica e a organização das dissidências. Agitações sindicais e operárias, revoltas urbanas, alianças de proprietários rurais, quarteladas de tenentes culminaram no golpe de 1930, com a deposição do presidente Washington Luis.
Produção cultural e artística
Muitas mudanças ocorreram na vida cultural e artística brasileira, como espelho de movimentos culturais europeus. Os padrões estéticos tradicionais foram abalados com as novas propostas da arte moderna, com as concepções filosóficas e artísticas do surrealismo, com a propagação dos ideais do existencialismo, com a difusão do teatro de contestação na Europa e nos Estados Unidos e com a organização das artes industriais – destacando-se a fotografia e o cinema.
Em 1922, a Semana de Arte Moderna trouxe a discussão estética para a vanguarda da intelectualidade brasileira. Música, literatura, teatro, poesia, artes plásticas, arquitetura e até mesmo o jornalismo brasileiro procuraram adaptar as propostas europeias e norte-americanas à realidade cultural brasileira. O resultado foi uma explosão cultural sem precedente.
· Importância da cultura de massa
Nesse mesmo período, houve uma grande revolução no modo de produzir cultura com o progresso dos meios de comunicação social, a consolidação da imprensa de grande tiragem, o nascimento da radiodifusão e a tentativa de implantação de uma indústria cinematográfica.
No jornalismo impresso, fortaleceram-se os jornais que hoje monopolizam o mercado da informação: o JORNAL DO BRASIL (1891) e O GLOBO (1926), no Rio de Janeiro; O ESTADO DE S. PAULO (1875) e a FOLHA DE S. PAULO (1921), em São Paulo. No setor de revistas ilustradas, O CRUZEIRO, fundado em 1928, superou em prestígio e em tiragem as revistas tradicionais, tais como O MALHO, FON-FON, CARETA. O rádio dava seus primeiros passos com a organização de sociedades com transmissões restritas a sócios. A produção cinematográfica concentrava-se no Rio de Janeiro, com uma média de doze filmes por ano.
Essa nova cultura industrial atingiu as camadas médias da população, sendo um dos fatores que influenciaram na criação de nossa identidade nacional.
· Aspectos da sociedade brasileira
A organização social brasileira tradicionalmente rural foi abalada com a consolidação dos centros urbanos, especialmente com a constituição do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, onde se concentrou a atividade industrial, comercial e bancária.
Mesmo com as oligarquias rurais controlando a vida social e política, a burguesia urbana começou a ocupar o cenário cultural e político. A classe operária organizou-se em torno dos projetos socialistas, anarquistas e sindicalistas e os movimentos operários agitaram a república.
Proliferaram revoltas urbanas, greves e insurreições militares culminando com a deposição de Washington Luis, em outubro de 1930, por dissidentes liderados por Getúlio Vargas.


3. CARACTERIZANDO OS PERSONAGENS
· Era Vargas de 1930 a 1945
Após o golpe que depôs Washington Luis, Getúlio Vargas assumiu o governo do Brasil. É erro comum imaginar a Era Vargas como um período único e coeso. Na verdade, ao longo desses 15 anos, há fases distintas com características bastante diversas. Também costuma-se, equivocadamente, englobar na Era Vargas, o período de 1951 a 1954, quando Vargas governou sob a vigência da Constituição de 1946, até seu suicídio em 1954.
A historiografia tradicional costuma dividir a Era Vargas em três fases: o Governo Provisório; o Governo Constitucional de 1934; e o Estado Novo.
O período mais representativa dessa Era foi o Estado Novo, que coincidiu com a época de expansão dos fascismos europeus e latino-americanos. Sua principal característica foi a centralização do poder nas mãos do executivo, com a extinção do poder legislativo e a consequente abolição dos partidos políticos. Assim, Vargas conseguiu controlar a burguesia urbana, manipular os órgãos de representação sindical e neutralizar o movimento operário.
A Constituição Outorgada de 1937 foi um duro golpe infringido às instituições representativas e às aspirações democráticas das camadas médias da população. Além do controle da vida política, o Estado Novo, por intermédio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), também interferiu na produção cultural, criou rígidos mecanismos de censura da imprensa e das atividades esportivas e recreativas. O DIP foi responsável pela criação da imagem positiva de Vargas que até hoje vigora, apesar do rigor da ditadura e da violação das liberdades individuais.
O governo Vargas favoreceu a classe trabalhista, com a criação dos ministérios do Trabalho e da Justiça, com a implantação do salário mínimo (1940), com a Consolidação das Leis do Trabalho (1943), com a criação da carteira profissional e com o estabelecimento de vantagens tais como a semana de 48 horas de trabalho e as férias remuneradas.
O centralismo político-administrativo de Getúlio Vargas manifestou-se com a organização de órgãos controladores como o Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (ambos em 1938); e de estatais como a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945).
A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, como aliado das democracias ocidentais, abriu brechas na arquitetura autoritária do Estado Novo e foi decisiva para o golpe que depôs Getúlio Vargas, em 1945.
· Constituição de 1946 e organização partidária
Após a deposição de Getúlio Vargas, houve a eleição de uma Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição de 1946, restaurando o regime democrático no Brasil, como reflexo das tendências políticas internacionais.
Os partidos políticos se reorganizaram e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi o legatário da ideologia populista de Vargas. Graças à sua popularidade nos centros urbanos e nas áreas rurais, Getúlio Vargas venceu as eleições de 1950, para o mandato presidencial de 1951 a 1955.
· Governo Vargas de 1951 a 1954
Curiosamente, após ter sido deposto em 1945, Getúlio Vargas foi eleito presidente da república para a legislatura de 1951-1955, jurando a Constituição e aceitando a autonomia dos poderes.
Apesar dessa atitude de aceitar as instituições democráticas, a oposição, liderada por Carlos Lacerda, representante da União Democrática Nacional (UDN), não deu sossego ao presidente, sendo respaldada pela imprensa que não tinha perdoado os longos anos de censura e restrição da liberdade de expressão.


4. LENDO REVISTAS E JORNAIS DO PERíODO
· Consolidação da imprensa como indústria cultural
Na década de 1950, já estavam lançadas as bases para a indústria cultural. Isso significa que a produção de bens culturais, entre eles as revistas e jornais, deixara de ser artesanal e passara a ser industrial.
O setor mais florescente dessa indústria era o de revistas e jornais. Consolidaram-se grandes parques industriais tais como a Editora Brasil América Limitada (EBAL), a Rio Gráfica Editora, a Editora Bloch e a Editora Abril. O jornalismo impresso também passou a ter características industriais e proliferaram jornais em todo o país. Só no Rio de Janeiro, circulavam cerca de vinte jornais diários, além das revistas de grande tiragem, lidas em todo o país.
Em São Paulo, duas famílias disputavam a liderança do mercado de jornais: a família Mesquita, proprietária de O ESTADO DE S. PAULO e a família Frias, fundadora do grupo FOLHAS que deu origem à FOLHA DE S. PAULO.
· Difícil relação de Getúlio Vargas com a imprensa
Os quinze anos de autoritarismo e de controle da produção cultural deixaram dolorosas cicatrizes que se refletiram na relação da imprensa brasileira com o novo governo.
Durante o Estado Novo, o presidente Vargas havia favorecido os DIÁRIOS ASSOCIADOS, englobando 32 jornais e 22 emissoras de rádio. Mas, por outro lado, muitos jornalistas foram presos e vários meios de comunicação social foram encampadas pelo governo, como O ESTADO DE S. PAULO, confiscado da família Mesquita.
Quando os donos dos veículos de comunicação controlados e censurados pelo DIP, desde sua criação em 1939, reassumiram o controle dos jornais e das emissoras de rádio fizeram deles tribunas políticas contra o governo e contra a pessoa de Vargas, a quem não deram trégua.
· TRIBUNA DA IMPRENSA x ÚLTIMA HORA
Duramente criticado pela imprensa, Getúlio Vargas ajudou o jornalista Samuel Wainer a fundar um jornal populista e getulista. Em 12 de junho de 1951, chegava às bancas o jornal ÚLTIMA HORA que se tornou porta-voz do governo e seu principal advogado.
ÚLTIMA HORA destacou-se na história da imprensa do período. Acompanhou o projeto de reforma gráfica proposto pelo DIÁRIO CARIOCA ao introduzir o modelo norte-americano de diagramação e de linguagem jornalística. Contratou profissionais competentes que ajudaram a implantar uma imprensa popular de grande circulação na Brasil. Em pouco tempo, ÚLTIMA HORA não era apenas um jornal, mas uma cadeia de jornais, circulando em vários estados, com redações e oficinas gráficas próprias. Apesar de múltiplo, reproduziu a ideologia de seu proprietário e conservou-se fiel a Vargas, no difícil período que antecedeu seu suicídio.
O principal adversário de Wainer e líder da oposição a Getúlio Vargas, Carlos de Lacerda, foi duramente atacado nas páginas da ÚLTIMA HORA, tornando-se alvo do caricaturista Lan, de quem recebeu o apelido de “corvo”.
Lacerda, proprietário do jornal TRIBUNA DA IMPRENSA, era adversário ferrenho de Vargas, desde o Estado Novo. Nas páginas de seu jornal, fez marcação cerrada ao presidente e, sobretudo, a alguns de seus assessores, como Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente. Lacerda foi envolvido em um atentado a bala que vitimou o major Rubens Vaz.
O atentado da Rua Tonelero tornou-se o estopim para a campanha de Lacerda contra “o mar de lama” existente no Palácio do Catete. “A nação exige o nome dos assassinos”, foi manchete de destaque da TRIBUNA que não poupou palavras contra Getúlio Vargas e seu governo.
Pressionado pela imprensa, o governo propôs o licenciamento de Vargas. Não resistindo a tão duro golpe, suicidou-se com um tiro no coração, na manhã do dia 24 de agosto de 1954.


5. ASSISTINDO O úLTIMO CAPíTULO DA NOVELA
· Carta-Testamento e legado de Getúlio Vargas
Em seu quarto, junto com o corpo, encontrou-se um bilhete, publicado como chamada principal na edição extra do jornal ÚLTIMA HORA: “À sanha dos meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer pelos humildes tudo aquilo que eu desejava”.
Com essas palavras, o tiro de Vargas direcionou-se também contra Lacerda e a imprensa de oposição. Após a divulgação da notícia do suicídio, houve tumultos populares com invasão da redação da TRIBUNA DA IMPRENSA. No dia seguinte o jornal não circulou.
Além do bilhete, foi divulgada uma carta-testamento, de autoria posteriormente atribuída a José Soares Maciel Filho, amigo fiel de Vargas, tendo sido escrita entre os dias 8 e 9 de agosto de 1954. O impacto da carta foi decisivo para a construção do mito Vargas. A consistência de sua argumentação serviu de base para o discurso dos herdeiros do populismo varguista, cujos principais representantes foram João Goulart e Leonel Brizola.
· Morre o homem, nasce o mito
“ÚLTIMO ENCONTRO DO POVO COM O GRANDE PRESIDENTE MORTO!”, foi a manchete da ÚLTIMA HORA, no dia 25 de agosto de 1954. Abaixo da manchete vinham as seguintes informações: “Só às 17,30 horas de ontem o corpo de Vargas foi colocado à visitação – Lutero, ao lado do pai, estava transfigurado pela dor – um homem agarrou-se ao caixão e pedia a Vargas, em altas vozes, que o levasse deste mundo – mais de dois mil desmaios entre a multidão, sendo um fatal e 20 casos graves – várias centenas de milhares de pessoas visitaram o Catete, mas somente 100 mil conseguiram desfilar diante do corpo de Vargas”. No resto da página, o jornal exibiu um enorme retrato de Getúlio Vargas no caixão.
A revista O CRUZEIRO, na semana da morte do presidente, vendeu 720 mil exemplares, recorde absoluto de circulação, marca somente superada no final do século 20 pela VEJA.
Essas publicações de grande tiragem, talvez tenham sido pontos de partida para a transformação do “homem” em “mito”. Nas páginas dos jornais e revistas, Vargas, de fato, dava “o primeiro passo no caminho da eternidade” saindo “da vida para entrar na história”.
· Vargas vivo na ficção e na realidade
Cinquenta anos após sua morte, Vargas está vivo.
Getúlio Vargas vive na memória da população, inclusive no imaginário de pessoas que não eram nascidas em 1954.
Vive nos livros de História do Brasil que dedicam várias páginas para analisar seus governos, quase sempre generosamente. Nossos livros didáticos enfatizam as medidas de Vargas responsáveis pelo início da indústria de base no país, pelo estabelecimento do monopólio da exploração do petróleo, pela criação da Petrobras e da Eletrobrás. Elogiam a política trabalhista do “Pai dos Pobres”. Associam o nome de Vargas a um período de prestígio da imagem brasileira no exterior, tendo Carmen Miranda e o personagem Zé Carioca como nossos principais embaixadores. Destacam a inauguração da TV TUPI em São Paulo, em 1950 e, no ano seguinte, no Rio, transformando o Brasil no quarto país do mundo a ter televisão comercial.
Vargas vive no discurso populista apropriado por quase todos os partidos políticos brasileiros contemporâneos.
Vive na ficção, em obras literárias como o romance “Agosto” de Rubem Fonseca, adaptado como mini-série pela TV GLOBO. Vive na literatura de cordel que dedica várias publicações ao mito Vargas, quase sempre apresentando-o como herói nacional, ou como santo no céu.
Está mais vivo do que nunca, quando pesquisas realizadas no interior do país indicam que um número significativo de pessoas o apontam como “atual presidente do Brasil”!


CARTA-TESTAMENTO DE GETÚLIO VARGAS

Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1954


Brasileiros.
Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação para que eu não continue a defender, como defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançaram até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a um pressão constante incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória, Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.


Getúlio Vargas

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