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EXPOSIÇÃO
"TRILHAS E TRILHOS - MEMÓRIAS DO RIO"
Entrevista
com a Historiadora Rosa Maria Barbosa de Araújo, no dia
15 de março de 2004, às 15h e 30min.
Doutora
em História pela Universidade John Hopkins, USA; Mestre pela
Universidade de Paris X – Nanterre; Consultora Cultural da
Bienal do Livro (99-01), do Instituto Arte Viva, do Museu de Belas
Artes e da Fundação Roberto Marinho. Atualmente, é
Diretora Executiva da editora da Universidade Cândido Mendes.
Autora de artigos e livros, dentre eles, O Batismo do Trabalho e
A Vocação do prazer: a cidade e a família no
Rio de Janeiro republicano. |
FRASES
“Então,
realmente, essa época da “belle époque” tropical
marcou muito o Rio; o Rio avançou. Foi aí que o Rio começou
a ser uma grande metrópole...”
“E, na medida em que a cidade se espalha, em que ela se alastra,
ela se alastra por dois pontos: através das linhas dos trens para
o subúrbio, e subindo os morros da cidade, com as favelas.”
“Do lazer ao ar livre, que é uma coisa muito característica
do Rio de Janeiro. Como as pessoas improvisam. Tomar uma cerveja, fazer
um churrasco na rua.”
“Isso mostra que a nossa cidade continua sendo o coração
do Brasil, a capital cultural. E a cidade 'xodó' de todos os brasileiros.”
ENTREVISTA
1
- Gostaria que você falasse um pouco do chamado espírito
carioca. Quando ele surge, realmente, para você ?
Eu
acho que a virada do século XIX para o XX transforma muito a cidade
do Rio de janeiro, com a República. Porque o próprio governo
e o crescimento da cidade fazem com que os cariocas possam frequentar
mais o espaço público. A mulher de classe média vai
trabalhar fora, a criança vai para a escola... Porque, antes, só
o povo ficava na rua. Com essa conquista da rua, isso muda muito o espírito
da cidade. E, desde então, se desenvolveu um espírito muito
alegre, muito comunicativo, muito informal para o povo dessa cidade.
2
- Você acha que a reforma de Pereira Passos, alargando o centro
da cidade, a chamada “belle époque” do Rio de Janeiro,
trouxe alguma contribuição para a mudança de costumes
no Rio de Janeiro?
Com
certeza. Eu acho que, na medida em que o governo, com o Pereira Passos,
resolveu transformar a capital, civilizar, entre aspas, a capital, fazendo
com que acabasse com as doenças,com
aquela aparência de uma cidade muito pobre, muito miserável,
em que as pessoas moravam em cortiços... Apresentar um novo modelo
de capital, um novo modelo de cidade... Um pouco, desfavorecendo as classes
populares, que tiveram que sair do centro, do lugar onde moravam, começar
a ir para o subúrbio, para mais longe. Mas, de qualquer forma,
houve um grande benefício, que foi organizar, embelezar, além
de sanear a cidade, com Oswaldo Cruz. Então, realmente, essa época
da “belle époque” tropical marcou muito o Rio. Foi
aí que o Rio começou a ser uma grande metrópole,
podendo ser comparada a Paris, a Londres, a Roma.
3
- O subúrbio começa a crescer nessa época. Você
começa a encontrar um outro carioca, que saiu do centro e foi ocupar
o subúrbio. Como é, para você, essa área suburbana,
que cresce com a expulsão da população do centro
da cidade?
Eu
vou falar só na evolução urbana, no crescimento populacional
da cidade. O Rio tem aí um milhão, um milhão e duzentos
mil, a cidade está crescendo muito. E, na medida em que a cidade
se espalha, em que ela se alastra, ela se alastra por dois pontos: através
das linhas dos trens para o subúrbio, e subindo os morros da cidade,
com as favelas. A partir dos anos vinte, trinta, nós vamos ter
os bairros da zona norte, da zona sul, o centro da cidade e a cidade já
espalhada, nos subúrbios e nas favelas. Essa população
é pobre, de classe média baixa. Nas favelas, ela é
muito pobre. As casas eram de madeira, não havia saneamento. E,
nos subúrbios, pobre e de classe média. E são pessoas
que vão tendo um estilo de vida diferente. Elas trabalham longe
do lugar onde moram, no caso, no subúrbio. Em compensação,
podem aproveitar mais no fim de semana, no domingo. Criar hábitos
de lazer no próprio lugar onde moram. Já no caso das favelas,
em que elas são perto do lugar onde as pessoas trabalham, isso
é diferente. É uma urbanização desorganizada.
E isso nos traz problemas, mas, à medida em que você vai
também organizando essas favelas, tentando dar uma condição
melhor a essas pessoas, as pessoas vão se adaptando e a cidade
vai tendo um feitio muito cosmopolita.
O Rio é uma cidade que apresenta faces diferentes. Ela é
muito diversificada, muito múltipla nos seus personagens, nos seus
estilos de vida. E todos com a característica da informalidade,
do culto ao prazer, ao lazer. Do gostar de música, do lazer ao
ar livre. De gostar de criança. Das crianças terem sempre
um lugar junto à população. Apesar da grande injustiça
social.
4
- E essa ideia de que a rua é a extensão da casa?
Como é que você explica isso?
Em
todas as cidades, a rua é uma extensão da casa. Mas a rua
é o lugar do perigo, da ameaça, da insegurança. E
a casa é o lugar da família, da segurança, da ordem.
Mas, à medida em que você não tem uma fronteira tão
rígida entre a casa e a rua, a rua passa a exercer uma atração
muito grande na população. No caso do Rio de Janeiro, nós
temos o clima quente, muito sol, a beleza da cidade. É uma das
cidades mais bonitas do mundo. Você vê mata, a Floresta da
Tijuca; então, isso tudo exerce uma grande atração
nas pessoas para a rua. Elas passaram a frequentar a rua com muito
prazer. Não só para trabalhar, para as questões administrativas,
para gerir suas vidas, mas também para se divertirem. E é
visível como no Rio você tem diversão, prazer ao ar
livre. Com os equipamentos que a cidade oferece, equipamentos urbanos
de diversão, os parques de lazer, coisas como centros culturais,
teatros, cinemas. Como também o que a cidade oferece através
de suas condições físicas de beleza. As praias, os
campinhos de futebol, que você pode criar em todas as zonas da cidade,
no Aterro, nos subúrbios. E todo esse espaço de lazer, a
Quinta da Boa Vista. Do lazer ao ar livre, que é uma coisa muito
característica do Rio de Janeiro. A gente vê na poesia do
Vinícius de Morais, na música em que ele fala das cadeiras
na calçada. Como é bonito, nos subúrbios, as pessoas
se divertem nas calçadas.
E, agora, a gente vê como os blocos voltaram à rua, durante
o Carnaval. Como as pessoas improvisam. Tomar uma cerveja, fazer um churrasco
na rua. Tanto na zona norte, quanto na zona sul, no centro da cidade.
Com uma vitalidade nunca vista nos últimos trinta anos. De uns
cinco, seis anos para cá, o centro da cidade tem vida nos fins
de semana, à noite. Vida para o lazer, além da vida comercial,
financeira e administrativa.
5
- Você acha que a violência da cidade está minando
um pouco esse espírito do carioca?
Eu
acho que o espírito combativo do carioca, de participação,
a vontade de se divertir,ela não é do nada por nada, quer
dizer, há uma resistência do carioca, que está inventando
formas de enfrentar essa situação. Agora, nós não
podemos, de forma alguma, ignorar nem negar a situação de
violência urbana, de desordem urbana, de desorganização.
É uma coisa muito séria. É uma coisa que acontece
em várias de nossas cidades. O Rio de Janeiro não é
a cidade mais violenta do Brasil, de jeito algum. O que não faz
com que se possa descuidar. Nós vamos vencer essa batalha unidos.
A sociedade, com o governo, juntos, que é uma questão muito
da sociedade. A gente tem que entender isso Mas, de uma forma construtiva,
sem matar, sem deixar que os nossos jovens morram, como nós vimos
no filme “Cidade de Deus”, um exemplo que mostrou o Rio, no
exterior,de uma forma violenta. As outras cidades brasileiras também
devem vencer.
Mas isso não acabou com o prazer do carioca de frequentar
a rua. As pessoas continuam indo à rua, continuam se divertindo
na rua. E as famílias continuam aproveitando as belezas dessa cidade.
6
- O Rio de Janeiro continua sendo a capital cultural desse país?
Com
certeza, o Rio é a capital cultural do Brasil, a espinha dorsal,
o coração. O coração de todo brasileiro pulsa,
bate pelo Rio de Janeiro, pela sua beleza, pela sua informalidade, e por
tudo que o Rio cria e continua apresentando. As manifestações
de música, arte, cinema, literatura, teatro, televisão.
O Rio está sempre criando coisas novas. E nós não
podemos nos esquecer de que o Rio continua exercendo grande atração
para os turistas de todos os países do mundo. Nós aqui recebemos
europeus, asiáticos, americanos, pessoas de todos os países
do mundo, que têm curiosidade. Quando veem uma imagem do Rio,
quando leem sobre o Rio, apesar de todos os nossos problemas, que
não são poucos, vêm ao Rio. Todos os que vêm,
querem voltar. As pesquisas de opinião provam isso As pessoas vêm,
gostam muito, e querem voltar à nossa cidade. Isso mostra que a
nossa cidade continua sendo o coração do Brasil, a capital
cultural. E a cidade 'xodó' de todos os brasileiros.
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